quarta-feira, 2 de junho de 2010

Projeto 'fabrica' mosca para enfrentar praga


Fábrica no norte da Bahia vai produzir insetos estéreis para combater a praga que mais prejudica os produtores do Vale do São Francisco


Crédito: Biomoscamed / Divulgação


Fruticultura no Vale do São Francisco


O Vale do São Francisco abriga cerca de 100 mil hectares de fazendas produtoras de frutas. A região do chamado submédio São Francisco, entre os municípios baianos de Petrolina e Juazeiro, onde está instalada a fábrica de moscas, é atualmente o maior centro produtor de uvas finas de mesa do país e contribui com 80% das exportações. Responde ainda por 70% das exportações de manga para Europa e Estados Unidos.


ALAN INFANTE
da PrimaPagina

Um empreendimento inusitado no meio do pólo fruticultor do Vale do rio São Francisco deve ajudar a reduzir os custos dos produtores e melhorar a qualidade dos frutos. Uma espécie de fábrica de moscas pretende suprimir uma das principais pragas da região, a Ceratitis capitata, conhecida popularmente como mosca-da-fruta. A idéia é a um só tempo inovadora e simples: produzir machos estéreis e soltá-los no pomar para que eles concorram com os machos férteis, copulem com as fêmeas e estas gerem ovos inférteis. Como as fêmeas em geral copulam apenas uma vez durante seu ciclo de vida (30 a 40 dias), a estratégia reduz gradativamente o número de moscas. Além de mais barata e menos danosa ao meio ambiente, já que dispensa o uso de pesticidas, a técnica tem se mostrado mais eficiente.

A fábrica de moscas, inaugurada este mês, é resultado de um projeto de biotecnologia voltado ao controle natural de pragas da

Biomoscamed — uma organização sem fins lucrativos. A iniciativa é financiada pelo governo federal e pelos governos da Bahia, Pernambuco e Ceará. Além disso, recebe apoio técnico da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e da USP (Universidade de São Paulo), entre outras entidades. O PNUD apoiou o projeto por meio de uma parceria com o Ministério da Integração Nacional.

O projeto da biofábrica nasceu com o objetivo de desenvolver um método eficiente e mais barato de combater a mosca-da-fruta, também conhecida como mosca-do-mediterrâneo —praga que gera um grande prejuízo para produtores de frutas em todo o país. O inseto, oriundo da África, deposita seus ovos no interior dos frutos para que, posteriormente, suas larvas se alimentem da polpa. Entre as culturas atacadas estão goiaba, manga, acerola, pitanga, cajá, umbu e melão.

Além de provocar a perda comercial dos frutos infestados, a praga eleva os custos de exportação do restante da safra, já que os compradores exigem que a produção passe por um processo de esterilizarão, segundo a supervisora de produção da Biomoscamed, a engenheira agrônoma Valdecira Reis. “Como a mosca-da-fruta é uma praga quarentenária [erradicada, mas que representa um risco potencial] nos Estados Unidos, eles exigem que os frutos passem por um tratamento hidrotérmico e que um fiscal da USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, na sigla em inglês] — pago pelos produtores — fiscalize a produção dia e noite”, afirma Valdecira.

Para combater a praga, o projeto iniciou seu trabalho pesquisando a mosca-da-fruta e estudando sua população no Vale do São Francisco. “Era uma região que estava com uma população bastante elevada, causando um prejuízo alto aos produtores”, conta Valdecira. Paralelamente, foram realizados testes em laboratório com exemplares machos da espécie, para torná-los inférteis.

“O processo é feito 48 horas antes do macho da espécie nascer, quando ele é submetido a uma forte carga de radiação com cobalto, o que provoca uma deformidade em seu órgão reprodutor e o torna estéril”, explica a supervisora de produção. No mesmo dia em que nascem, os insetos são liberados no pomar em uma proporção de nove estéreis para cada mosca selvagem. “Assim que é solto, o macho libera um feromônio que atrai e fêmea. Ele então copula a fêmea com um espermatozóide inviável que vai gerar ovos inférteis”, conta.

O controle da população de moscas-da-fruta deve ser permanente, para que a liberação dos machos seja proporcional ao número de insetos. O objetivo não é exterminar completamente a praga, mas mantê-la em um nível que não represente uma ameaça econômica à fruticultura. “Sabe-se que, quando se erradica uma praga, surge outra. A intenção do projeto é suprimir a mosca-da-fruta. Suprimir significa viver com ela sem que ela cause um dano econômico”, afirma Valdecira.

A capacidade de produção atual da fábrica é de 4 milhões de moscas por semana, o que permite desenvolver apenas alguns projetos pilotos na região do São Francisco. A meta é que, até o ano que vem, a Biomoscamed esteja produzindo 400 milhões de insetos por semana. “Em 2007, quando termina o financiamento do governo federal, já teremos condições de produzir o suficiente para buscar novas fontes de financiamento”, diz Valdecira.

Além do projeto com a mosca-da-fruta, a Biomoscamed pretende expandir sua atuação para outras pragas e para insetos que provocam doenças em humanos. A fábrica já começou as pesquisas para desenvolver a mesma técnica para combater uma outra espécie de mosca-da-fruta, a Anastrepha fratercula. “Também estamos com um projeto para produzir o predador natural da mosca-da-fruta e estamos estudando, no futuro, desenvolver machos estéreis de moscas-do-chifre, que atacam o gado, do Aedes egypt, que transmite a dengue, e do inseto transmissor da Malaria, [o Anopheles gambiae]”, revela Valdercira.


Mosca estéril em escala comercial

Primeira fábrica brasileira já produz insetos gerados com técnica baseada na energia nuclear

Frutas limpas, ambientalmente seguras, extremamente competitivas em mercados exigentes como Estados Unidos, União Européia e Japão e socialmente responsáveis ao criar 3 mil empregos indiretos. A partir de abril de 2007, esta será a realidade da produção de frutas da região semiárida do Vale do São Francisco graças à energia nuclear. É ela que esteriliza insetos machos da espécie da moscada-fruta ou mosca do mediterrâneo – moscamed – para combater a praga das plantações.

A Biofábrica Moscamed do Brasil, criada em 2002 a partir de uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com apoio do Ministério das Ciências e Tecnologia e financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), foi instalada no município de Juazeiro, na Bahia. Em agosto deste ano, ela começou a produção de 5 milhões de moscas machos estéreis por semana, que serão utilizadas para validar o método empregado na esterilização e desenvolver a logística de distribuição. Mas até o final de 2006, os insetos serão liberados em 20 mil hectares de pomares de manga.

Em 2007, esta produção salta para 200 milhões por semana. Metade será utilizada nos 80 mil hectares da fruticultura do Vale do São Francisco e os 100 milhões restantes exportados para países como Marrocos e Espanha. E será neste momento que o empreendimento, cujo investimento foi de R$ 10 milhões, passará a ser auto-sustentável.

Antes mesmo de exportar a população de moscas estéreis, a Biofábrica de Moscamed do Brasil já transfere tecnologia. Estiveram no centro de treinamento da fábrica técnicos do Senegal, Cuba e Nicarágua e pesquisadores da Colômbia, Equador e Venezuela já procuraram a instituição para futuras trocas de experiência. E em setembro, durante o Simpósio Internacional de Moscas-das-Frutas, a fábrica receberá a visita de 30 autoridades estrangeiras.

“A Moscamed é a primeira instituição no Brasil que usa energia nuclear na agricultura em escala comercial”, diz o geneticista Aldo Malavasi, diretor-presidente da fábrica. “E até hoje, mesmo depois de 50 anos de criado, não existe método mais eficiente de se impedir a reprodução das moscas”. Existem alternativas para esse processo, mas que deixam os machos tão debilitados que se tornam incapazes de enfrentar a concorrência da sua espécie na natureza.

Redução de custos

Criada pelo entomólogo americano Edward Knipling, a técnica de esterilização com energia nuclear já é utilizada em países como Chile, Argentina, Portugal, Austrália, África do Sul, Tailândia, Japão e Peru, além dos Estados Unidos, líder nesta técnica.

Os custos para utilização da moscamed esterilizada também são competitivos. Enquanto se gasta, em média, 30 dólares por hectare por ano com os insetos, o uso de agrotóxico consome 25. E estes investimentos se igualam e até mesmo caem a favor das moscas a partir do segundo ano de aplicação, quando se reduz o número de machos estéreis liberados no cultivo das frutas.

Ao adotarem essa técnica na fruticultura do Vale do São Francisco, os agricultores estarão economizando 50% do que hoje consomem com inseticidas e processos de preparação e manutenção das frutas para exportação.

Nos Estados Unidos, país que mais gasta com programas de combate à praga das frutas no mundo, essa conta já foi mais do que equacionada. O governo destina US$ 80 milhões anuais aos projetos da Califórnia, Flórida e Guatemala-México para evitar uma perda estimada em U$ 1,2 bilhão, caso a moscamed se estabelecesse em território americano.

Radiação gama e aromoterapia

A escolha pelo Vale do São Francisco para a implantação da primeira fábrica de moscas estéreis do Brasil tem motivos econômicos. É lá que se concentram 93% das mangas e 98% das uvas exportadas pelo país. Além disso, a região é rica em bagaço de cana-de-açúcar, milho e vitaminas, insumos utilizados na alimentação das larvas das moscas estéreis. Essa mistura, chamada de dieta artificial, reproduz o que os insetos ingerem ao se alimentarem da polpa da fruta.

A produção dos machos se dá a partir da manutenção de uma colônia-padrão(uma linhagem mutante, importada de Viena, na Áustria), fornecida pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena), um dos pioneiros no uso de técnicas nucleares na agricultura. Esta colônia é mantida pura por sucessivas gerações através de filtros genéticos. Os adultos são constantemente selecionados e os ovos/embriões são colocados em dietas artificiais para crescimento e manutenção da espécie pura.

Depois de um determinado estágio de crescimento, eles passam para um tanque com água a 34 graus centígrados, que mata os ovos-fêmea, resultado da mutação da colônia-padrão. Com isso, só os machos passam para a próxima fase, o que reduz em 40% o investimento na produção da moscamed estéril.

Feita a separação, eles se transformam em larvas e finalmente em pupa, quando são submetidos a uma radiação gama do cobalto 60. É neste estágio que os insetos vão para o local em que serão liberados e lá armazenados até se transformarem em machos adultos.

Mas antes de serem soltos no pomar, a nova colônia de machos passa por uma seção de aromoterapia. “Os machos da fábrica têm um poder de atração de 70% a 75% dos seus concorrentes da natureza. Para reduzir essa diferença e torná-los alvos das fêmeas selvagens, eles recebem um tratamento com óleo de gengibre”, explica Aldo Malavasi.

Irradiação de vespas

Antes de apoiar com pesquisas e consultoria técnica a montagem da Moscamed do Brasil, o Laboratório de Radioentomologia do Cena trabalhou em um projeto-piloto de esterilização de insetos adultos selvagens, associada à irradiação das larvas oferecidas aos parasitóides, pequenas vespas que são inimigas naturais das moscas. Essa atuação em duas frentes garante, de um lado, o desenvolvimento normal das vespas e, de outro, que as larvas que porventura não forem consumidas se transformem em moscas adultas.

“De 1998 a 2005, quando trabalhamos com as vespas e a irradiação de larvas junto às fazendas de cítricos de São Paulo, houve uma redução de 6% na perda das plantações”, afirma o entomologista Júlio Walder, do Cena. “Antes dessa experiência, 15% da colheita era inutilizada pela queda prematura dos frutos”.

Prova de que o programa do Centro da USP deu certo é que empresas de citricultura de São Paulo querem montar um laboratório para ter auto-suficiência na produção do inimigo natural da mosca-da-fruta.

De acordo com Júlio Walder, o mais apropriado para a cultura da laranja e outros cítricos é continuar com as técnicas de esterilização das moscas machos e da irradiação das larvas oferecidas aos parasitóides. “Como se produz esse tipo de fruta o ano inteiro, o melhor a fazer é, cada vez mais, aumentar o número de vespas nas plantações, através de liberações quinzenais”. Na Bahia, a utilização de moscamed estéril é mais eficaz porque há o período de entressafra, quando se solta os supermachos.
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